Autora: Priscilla Rubia
O martelo desceu mais uma vez.
Voltou a chorar. Estava preso e não
podia se mexer, mas pelo menos ainda podia chorar.
Mais uma vez sentiu o martelo.
Onde estava? – perguntou-se mais uma
vez. Era um galpão? Um quarto? Estava escuro, não podia ver.
Sentiu a pancada na cabeça de novo e de
novo.
Gritou. Como das outras vezes nada
aconteceu. Respirou fundo e sentiu um odor. Um cheiro de coisa podre. De onde
vinha esse cheiro? Por um segundo teve certeza de que o cheiro era dele mesmo.
Sentiu as lágrimas descendo pelo rosto
e em seguida mais uma pancada do martelo em sua cabeça.
Estava no inferno, não estava? Não
poderia pensar em outra explicação. Onde mais ficaria preso, sentado sem se
mexer e tudo o que podia sentir era a dor, angústia e desespero? Só não podia
entender porque estava no inferno. Não se lembrava de um motivo para isso.
Tinha sido um bom menino, não tinha? Obedecia a mãe, bem, na maioria das vezes,
mas isso era normal, não era? Às vezes mentia também, mas ora, todos mentem. Lembrou-se
do dia que empurrou um amigo no lago. Só queria lhe pregar uma peça. Não sabia
que o amigo não podia nadar. Graças a Deus que alguns adultos estavam por perto
e salvaram o menino. Tomou uma bela surra do pai naquele dia, mas isso era
normal também, não era? Não sabia.
— Deus, por favor, me perdoe, não tive
a intenção - mas tudo que obteve como resposta foi a pancada repetida em sua
cabeça.
Foi tomado pelo ódio. Se estava no
inferno, onde estavam os malditos nazistas? Haviam o tirado de casa em uma
noite e desde então não viu a mãe ou o pai. Se estava no inferno, eles teriam
de estar ali. Eles mereciam, e como mereciam. Porém, estava sozinho. A sua
única companhia era o barulho do martelo contra seu crânio.
Gritou mais uma vez, só que não parou. Gritou
o mais alto que pôde e depois disso gritou mais. Gritava o nome da mãe, do pai,
gritava até os nazistas. Ver qualquer um seria bom. Ver uma luz qualquer vinda
de uma abertura naquela negritude. Gritava enquanto chorava, enquanto o martelo
ia e vinha, ia e vinha e nunca se cansava.
Gritou e percebeu depois de um tempo
que também estava rindo.
Quando os nazistas deram-se por
satisfeitos, pararam o equipamento e retiraram o menino da cadeira. Nos olhos
da criança judaica, nada viram que representasse sanidade.
Bom, o experimento estava completo.
Ajoelharam o menino e o mataram.
O conto desperta a indignação. Certamente que sim. Era repulsiva a maneira como os nazistas lidavam com aqueles que não fossem de sua raça (impuros).
ResponderExcluirA maneira como o menino se questiona até ficar num estado de consciência insana e bastante palpável. Gostei bastante.
O conto é rápido e atinge sua meta: mostrar a crueldade e a frieza com que os carrascos lidavam com suas vítimas.
ResponderExcluirSem piedade.
Esse conto mostra que para atingir a insanidade não se necessita de elementos em demasia, um momento certo, uma atmosfera que combine...talvez algum outro elemento para intensificar tudo (nesse caso a batida incessante do martelo) e - puft - temos uma insanidade quentinha recém-saída do forno. Isso me lembrou outra HQ grandiosa do homem-morcego! "Piada Mortal"...acho que o Franz concordará comigo. Parabéns, Priscila!
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