Fonte: BBC
Por Frances Cronin
Para os alemães que trazem na assinatura sobrenomes
como Himmler, Goering e Goeth, que pertenceram a membros infames do
Partido Nazista, a Segunda Guerra Mundial é ainda um assunto rodeado de
traumas e um período obscuro nas memórias de família.
Foi apenas depois dos 40 anos que Rainer finalmente visitou
Auschwitz, para enfrentar "a realidade do horror e das mentiras que tive
todos estes anos em minha família".
Katrin Himmler resolveu escrever um livro para lidar com a culpa de ter Heinrich Himmler em sua família.
Para Katrin, os descendentes de criminosos de guerra nazistas parecem ter duas opções extremas.
Monika Hertwig é filha de Amon Goeth, o
comandante sádico do campo de concentração de Plastow, interpretado pelo
ator britânico Ralph Fiennes no filme A Lista de Schindler, de Steven Spielberg.
Quando era adolescente, ela questionou a mãe e foi chicoteada com um fio elétrico.
Já Bettina Goering, sobrinha-neta de Hermann
Goering, o primeiro na linha de poder do Partido Nazista depois de Adolf
Hitler, optou por uma medida bem mais drástica para lidar com o legado
de sua família.
Por Frances Cronin
Rainer Hoess (esquerda) |
Rainer Hoess é neto de Rudolf Hoess, (que não
deve ser confundido com o vice-líder nazista Rudolf Hess) primeiro
comandante do campo de concentração de Auschwitz. Seu pai cresceu em uma
vila anexa ao campo, a pouca distância das câmaras de gás, onde
brincava, junto com os irmãos, com brinquedos fabricados pelos
prisioneiros.
Rainer se lembra quando sua mãe mostrou a ele, ainda quando criança,
um baú à prova de fogo, com uma grande suástica na tampa. No baú, muitas
fotos de família mostrando seu pai, criança, brincando com os irmãos
nos jardins da casa onde moravam.
A avó de Rainer pedia aos filhos que lavassem os
morangos que comiam. As frutas eram cultivadas no campo e, segundo a
avó de Rainer, tinham o cheiro das cinzas dos fornos de Auschwitz.
"É difícil explicar a culpa, mesmo que não
exista razão de eu sentir culpa. Mas eu ainda carrego isto, eu carrego a
culpa em minha mente", contou Rainer Hoess.
"Também sinto vergonha, é claro, pelo que minha
família, meu avô fez a milhares de outras famílias."O pai, filho de
Rudolf Hoess, nunca abandonou a ideologia nazista e Rainer perdeu o
contato com ele.
Visita
Ao ver a casa onde o pai passou a infância,
Rainer conseguia apenas repetir a palavra "insanidade" e, no centro de
visitantes, se encontrou com descendentes das vítimas de Auschwitz.
Muitos dos descendentes choraram ao contar suas
histórias e uma jovem israelense não conseguia acreditar que Rainer
tinha ido até o campo para falar com eles.
Enquanto ele falava de sua culpa e vergonha, um
sobrevivente disse a Rainer que os familiares dos nazistas não devem ser
culpados pelas atrocidades.
"Receber a aprovação de alguém que sobreviveu
àqueles horrores e saber com certeza que não foi você, que você não fez
aquilo. Pela primeira vez você não sente o medo ou vergonha, mas
felicidade, alegria", disse.,
Livro
Katrin Himmler |
Himmler, um dos arquitetos do Holocausto, era tio-avô de Katrin. O avô e outro irmão também eram membros do Partido Nazista.
"É um fardo muito pesado ter alguém como ele na família, tão próximo. É algo que fica com você", disse.
Ela escreveu o livro The Himmler Brothers: A German Family History
("Os Irmãos Himmler: História de uma Família Alemã", em tradução
livre), em uma tentativa de "trazer algo positivo" para o nome Himmler.
"Tentei da melhor forma me distanciar disto, enfrentar de forma
crítica. Eu não preciso mais ficar envergonhada desta conexão de
família."
Heinrich Himmler |
"A maioria decide cortar totalmente a relação
com os pais, para que possam tocar suas vidas, para que a história não
os destrua. Ou então optam pela lealdade e amor incondicionais, e limpar
todas as coisas negativas."
Ela mesma pensou que tinha um bom relacionamento
com o pai até que decidiu pesquisar o passado da família. Ele tinha
muita dificuldade em falar do passado.
"Eu só entendi como era difícil para ele quando
percebi o quanto era difícil para mim aceitar que minha própria avó era
uma nazista."
"Eu a amava muito,(...) foi muito difícil quando
encontrei as cartas dela e descobri que ela mantinha contato com os
velhos nazistas e que ela enviou uma correspondência para um criminoso
de guerra condenado à morte. Me deixou doente."
'Lista de Schindler'
Monika Hertwig |
Ela era apenas um bebê quando Goeth foi julgado e
condenado à morte. Monika foi criada pela mãe e, durante a infância,
tinha uma visão distorcida do que acontecia em Plastow.
"Eu tinha esta imagem que criei (que) os judeus em Plastow e Amon eram uma família."
Amon Goeth |
Apenas quando assistiu ao filme de Spielberg,
Monika soube de todo o horror causado por seu pai e contou que "foi como
ser atingida".
"Eu pensava que isto (o filme) tinha que parar,
em algum momento eles tem que parar de atirar, pois se não pararem, vou
enlouquecer aqui dentro deste cinema."
Ela saiu da sala em choque.
Esterilização
Hermann e Bettina Goering |
Ela e o irmão optaram pela esterilização.
"Nós dois fizemos... para que não existam mais
Goerings. Quando meu irmão fez, ele me disse: 'Cortei a linha'",
explicou Bettina.
Perturbada pela semelhança com o tio-avô, ela
deixou a Alemanha há mais de 30 anos e agora vive em um local remoto do
Estado americano do Novo México.
"É mais fácil lidar com o passado de minha família à distância", disse.
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